05.
A PASSAGEM
(fatos
ocorridos entre 1952 e 1954)
Nós
morávamos em uma casa pequena mas confortável que meu pai
havia construído, esta casa tinha um pequeno quintal muito
gostoso, mas o principal é que ela era ligada, por uma passagem,
ao quintal de meu avô, que era imenso. Meu avô tinha um casarão
muito espaçoso com um quintal de cerca de mil metros quadrados.
Este era o meu reino, passava o dia a pular de uma casa para
a outra e em ambas eu era muito amado e paparicado. Se minha
mãe me dava uma bronca eu corria para minha avó e vice-versa.
No caminho entre as duas casas ficava minha represa , formada
pela água que escorria do tanque, minhas construções de barro
e minhas fabulosas estradas que tinham até postes e linhas
elétricas (palitos com linha de costura, sempre fui perfeccionista).
Ali
eu passava horas ajoelhado, construindo minhas obras. Na hora
do banho minha mãe falava que já não era possível me limpar
porque eu já estava encardido. Meu sócio nestas obras era
meu primo-irmão José Carlos Fernandes Vasconcelos. José
Carlos, ou Caio, foi o inventor do processo para construir
estradas de paralelepípedos, muito utilizados na época.
Eu podia ser o menino mais sujo e encardido do mundo, mas
era o mais feliz, e não deixei de sê-lo. Quando ia jogar bola
descalço nas ruas de terra da antiga Ipameri, meus pés ficavam
tão sujos que minha mãe jurava que da próxima vez iria usar
lixa para limpá-los. Era só para assustar, graças a Deus.
À
noite as crianças da redondeza se reuniam na porta de casa,
debaixo do poste de luz fraca e amarelada para brincar e contar
histórias. Foi em uma destas noites que eu quase matei algumas
beatas de susto. Um de meus primos tinha chegado dos Estados
Unidos e trouxe uma mascara verde horrorosa. Em uma noite
eu vesti meu uniforme de zorro (todo preto), coloquei a máscara
e fui para a viela que se inicia em frente à casa de meu avô
e dá acesso à matriz e me escondi atrás de um poste. Naquela
época a luz de um poste iluminava uma pequena área de uns
quatro metros quadrados e a escuridão era tal que quem ficava
fora destas áreas iluminadas praticamente não era visto.
De
trás do poste notei que três beatas desciam a viela após
a missa das sete. Esperei que elas se aproximassem e, entrando
na área iluminada, dei o mais horrível grito que consegui.
As beatas pularam, gritaram, tremeram e, por fim, correram
como eu jamais imaginei que três velhas beatas pudessem correr.
No dia seguinte, na mesa do almoço, escutei minha mãe,
apavorada, contar que uma besta tinha atacado umas velhas
na viela e que o padre estava achando, pelo relato das velhas,
que era coisa do capeta.
Depois
minha mãe nos proibiu de percorrer aquela viela ou qualquer
outra rua após o entardecer. Mantive silêncio sobre minha
participação no evento mas, em verdade, eu levei um susto
maior que elas, pois as beatas fizeram umas caras tão feias
e gritaram uns gritos tão desesperados, que eu talvez tenha
corrido mais do que elas. Fiquei muito tempo sem assustar
ninguém, e assustar os outros era uma das minhas principais
diversões.
Ficava incomodando as mulheres da minha família para ganhar um pé de meia feminino, dizia apenas que era para brincar, mas eu as enchia com pedaços de pano ou outra coisa qualquer, amarrava sua boca com um barbante comprido e a colocava escondida na sarjeta. Quando uma mulher ou criança se aproximava eu puxava o cordão fazendo a meia serpentear como cobra e quase matava as pessoas de susto. É claro que eu não assustava homens, porque poderia não conseguir correr deles e levar uma surra, é importante ser esperto e muito ligeiro.
Adorava
pegar um mamão verde, tirar seu conteúdo, recortar a casca
verde em formato de careta e colocá-lo sobre o muro à noite
com uma vela acesa dentro. Parecia a cabeça de um demônio.
Quando as pessoas, já temerosas, se aproximavam do local onde
colocara o mamão, com uma vara eu o cutucava e ele se espatifava
na calçada a alguns centímetros dos pés das vítimas, que corriam
e gritavam como loucas. Isto era o máximo! Ainda tinha a brincadeira com os traques de São João, que assustou muita gente na Rua Coronel João Vaz.