20.
A IUGOSLÁVIA
(fatos
ocorridos entre 1965 e 1966)
Finalmente
chegamos a Belgrado e cadê o tio Paulo? Não estava
lá! Bom, pelo menos ele mandou o motorista da embaixada,
que falava "portunhol" e conseguiu nos localizar.
Devo revelar que dei um vexame em cada aeroporto. No de Paris
comprei um cigarro em uma máquina e a máquina
não forneceu o cigarro nem devolveu o dinheiro, poucos
minutos depois apareceu um menino que chutou a tal máquina
e levou meu cigarro! No de Belgrado havia uma porta de vidro
sem vidro, eu estava cansado e joguei meu corpo sobre a porta,
para abri-la, e desabei no saguão principal do aeroporto.
Tudo bem, isto acontece.
A
embaixada ficava bem no centro da Capital e era muito bonita,
quase um castelo. Depois do encontro com meus tios e prima
chegamos na casa deles. Uma coisa havia me chamado a atenção,
em cada ambiente havia uma enorme peça retangular de
cerâmica polida. Depois fiquei sabendo que era "aquecedor
a carvão" (isto ainda existe?). Tia Lourdes foi
logo avisando: Quando forem dormir tratem de se cobrirem muito
bem, pois lá pelas duas da madrugada o carvão
acaba! Meu Deus, onde fui parar? Cadê o aquecedor elétrico?
Acordei
no meio da madrugada, estava azul de frio, logo me disseram:
vai dormir, logo você se acostuma... Comecei a contar
carneiros, vacas, cavalos, tudo o que sabia, e dormi. Quando
acordei estava mais frio ainda, tratei de me vestir a jato
e corri para tomar café. Nada como um cafezinho quente
para nos reanimar.
Quando
saí até a porta, para ver a paisagem branca,
não vi o carro do meu tio. Corri até ele e lhe
disse: Tio, roubaram o seu carro! Ele respondeu: Não,
ele deve estar debaixo de uns dois palmos de neve... Só
então notei que a neve aumentara o nível da
rua em mais de um metro. Neste momento chegou um senhor de
certa idade carregando um saco de carvão, era o carvoeiro
que, infelizmente só vinha uma vez por dia. Fiquei
com dó dele e me aproximei para conversar. Conversar
como? Os Iugoslavos falam uma língua estranhíssima,
o Servo-Croata (resultante da união da Sérvia
com a Croácia e com outros estados menores). Só
para se ter idéia da língua deles, bom dia é
"dobro iutro". Mas com muita paciência e boa
vontade, utilizando um pouco de inglês e italiano, consegui
ouvir sua estória.
Antes
da revolução comunista ele era o feliz proprietário
de sete lojas de tecidos e confecções e residia
na mansão que ficava bem em frente à casa do
meu tio. Quando veio a revolução ele se negou
a entrar para o partido e, por isto, perdeu todos os seus
bens, as lojas foram estatizadas, e ele passou a residir na
garagem de sua antiga casa. A garagem foi dividida em cinco
cômodos: dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro
sem instalações sanitárias. Para sobreviver
passou a ser carvoeiro, ia a pé até as montanhas
próximas a Belgrado, colhia lenha, queimava-a e a vendia
na Capital. Que exemplo!
Logo
minha prima Virgínia me arrumou uma namorada. No primeiro
encontro ela apareceu de mini saia, com um par de pernas mais
cabeludas do que as minhas! Acontece que as iugoslavas são
descendentes diretas das turcas, que não rapam as pernas
ou as axilas por motivo nenhum. Meu Deus, ela parecia uma
aranha! Não sabia se ria ou se chorava.
Mas
resolvi aceitar a sua companhia e saímos para ir ao
cinema, caminhamos até o ponto de ônibus e ficamos
ali, tentando nos entender enquanto esperávamos o tal
ônibus. Quando o ônibus chegou e nós embarcamos,
eu aprontei o maior vexame, quase vomitei dentro do coletivo,
que estava lotado de trabalhadores iugoslavos que, ao que
parece, não se banhavam há, pelo menos, três
meses. Nos países comunistas não era possível
tomar banhos diários, como somos acostumados. Lá
a água é cara e a água aquecida nem se
fala, por isto eu não suportei ficar naquele ônibus
e o meu namoro com a iugoslava desabou ali mesmo. Tudo bem,
se eles viessem aqui talvez não suportassem o nosso
perfume natural de sabão e xampu.