32.
A VINGANÇA
(fatos ocorridos entre 1966
e 1969)
Nós
adorávamos brincar, o que fazíamos o tempo todo. Uma das boas
brincadeiras, que fazíamos quando estávamos na rua, era a
do "Disco Voador". Começava quando um de nós gritava "Ái,
meu Deus!" numa rua movimentada e apontava para o céu. Outros
do nosso grupo iam se aproximando, gritando e apontando para
o céu, até que cerca de dez pessoas estivessem nos cercando.
Então saíamos de fininho, atravessávamos a rua e íamos para
o outro lado dar risadas das dezenas de trouxas que ficavam
gritando, olhando e apontando para o céu, procurando um disco
voador que nunca existiu!
Outra
boa brincadeira era a da "Morte do Idiota". Numa madrugada
bem fria, em que o Inspetor estivesse dormindo um sono bem
profundo debaixo de dois cobertores, nós escolhíamos um interno
bem idiota e o carregávamos, com cama e tudo, até o campo
de futebol tomado pela neblina. O transporte tinha que ser
bem lento e cuidadoso para evitar que o trouxa acordasse antes
da hora. Quando o cara acordava e se via no meio de "nuvens"
de neblina, achava que tinha morrido e começava a gritar.
Nós quase morríamos de rir.
Mas
a melhor brincadeira, sem dúvidas, era aquela em que, além
de nos divertir, ainda nos vingávamos de alguém. Havia um
Inspetor chamado Walter, que era rigoroso ao extremo, nos
tratando como se fôssemos recrutas e ele o sargento. Nós tomávamos
banhos frios e já tínhamos nos acostumado com isto, mas no
inverno precisávamos de uma "preparação". O Sargento-Inspetor
Walter ficava como uma fera sobre nós, tínhamos que entrar
de supetão na água gelada, suportar o choque e, ainda, nos
banhar em um minuto.
Depois
precisávamos trocar de roupa ali mesmo (tudo molhado) e marchar
para a cama. Ainda bem que só ele era assim e esta estória
duraria pouco. O que mais nos irritava era o fato de que,
depois que deitávamos, o Sargento-Inspetor Walter tomava seu
banho demoradamente em água quente e depois vinha correndo
até o quarto enrolado em sua toalha, pulava na cama e só trocava
a roupa (colocava o pijama) quando já estava sob as cobertas,
sem ter de passar por tudo que passávamos por sua causa.
Um
belo dia reuni o "alto comando", formado por mim
e pelos internos 46, 10 e 86 (os internos mais amigos e unidos),
e contei-lhes sobre o meu plano diabólico de vingança. Todos
aprovaram e ficamos, então, esperando o Sargento-Inspetor
Walter ir se banhar. Quando ele foi, aproximamo-nos de sua
cama que era, como as demais, do tipo Patente, isto é, suportada
por quatro ganchos duplos, dois na cabeceira e dois nos pés,
que se encaixavam nas outras peças da cama, retiramos
os ganchos de seus engates e colocamos a cama apoiada apenas
pelas peças de cabeceira e pés, com os engates desencaixados.
A cama
balançou muito e custou a se equilibrar, mas ficou de pé e
nós corremos para nossas camas. Agora era só aguardar o desenlace
da operação militar, executada nos moldes em que o Walter
gostava. O dormitório, como sempre, estava semi-escuro, iluminado
apenas por algumas lâmpadas azuis, que serviam para o inspetor
fazer a sua ronda sem acender as luzes e sem tropeçar nas
camas.
O Walter
veio correndo do banheiro, como sempre, jogou sua toalha sobre
uma cadeira e pulou na cama. O estrondo foi tal que muitos
imaginaram que o velho prédio estava ruindo, e o corpanzil
do Walter só fez aumentar o barulho. Um aluno correu e acendeu
as luzes, para ver o que estava acontecendo, foi então que
vimos o Walter, completamente nu, sobre as peças de sua cama,
atônito e sem saber o que fazer. Todos riram tanto que nunca
mais ele bancou o sargento conosco. Eu senti um pouco de pena
dele, não esperava que isto o abalasse tanto, mas foi uma
doce vingança.