09.
A GALINHA DO VIZINHO
(fatos
ocorridos entre 1952 e 1954)
Nosso
quintal tinha todos os tipos de frutas: manga, laranja, mexerica,
lima, caju, jabuticaba, banana, entre outras, e todas, deliciosas,
ao alcance de nossas mãos. Mas quase não tocávamos nestas
frutas porque, segundo o ditado, a galinha do vizinho é sempre
mais gostosa. Adorávamos andar sobre os muros e pular nos
quintais dos vizinhos para roubar frutas.
Foi
nestes muros e quintais que vivemos algumas de nossas mais
incríveis aventuras. O maior e mais visitado quintal era justamente
o pomar de meu amigo Valério. Ele era uma pessoa extraordinária
e jamais levou estas visitas a sério, mas tinha um irmão mais
velho, Luiz, que considerava a defesa do pomar sua missão
divina. Armado de uma espingarda "filobé" que tinha uma boa
lanterna presa a ela para tiros noturnos (a família
tem forte tradição inventiva) e com ela nos
caçou algumas vezes. Nossa sorte é que ele dava tiros apenas
para nos assustar.
Outro
quintal com bom índice de visitas era o de Dona Belisária.
Por ser colado ao nosso quintal, tínhamos uma grande facilidade
de lá adentrar, chegamos até a rebaixar uma parte do muro
para facilitar o nosso "trabalho". Mas Dona Belisária, talvez
irritada com tantos furtos, comprou discretamente um cachorrão
e o soltou no quintal de baixo. Geralmente os grandes quintais
eram divididos em quintal de cima (um pequeno quintal) e quintal
de baixo (o pomar). Quando entardeceu nós pulamos o muro,
mal demos um passo e o cachorrão avançou sobre nós. Nossa
reação foi instantânea e pulamos de volta, escapando por pouco
das mandíbulas do animal. Perdemos por alguns meses a vontade
de saltar muros, em especial o de Dona Belisária.
Nossa
audácia era tanta que, não contentes em roubar frutas, às
vezes ainda voltávamos mais tarde para surrupiar uma galinha
para a galinhada. Após decidir quem seria o responsável pelo
rapto da bípede, pulávamos o muro de um grande criador
de galinhas, caminhavamos até as árvores onde os bípedes dormiam
e aguardávamos que o escolhido fizesse seu trabalho.
Certa
feita o inexperiente escolhido encaminhou-se até uma das árvores
e pegou uma das galinhas pelos pés e não pelo bico, como costumávamos
fazer (para que ela não fizesse barulho). A danada fez um
escândalo tão grande que tivemos que correr quilômetros para
conseguir fugir do desvairado proprietário. Quando ofegantes
paramos e nos certificamos de que não éramos mais perseguidos
perguntamos ao colega onde estava a galinha, ele fez uma expressão
de espanto e nos garantiu que a tal galinha havia "desaparecido"
de suas mãos no decorrer da corrida.
Que
fiasco, mas nós o adorávamos e este fato não arruinou nossa
amizade. Outros amigos daquele período eram os irmãos Bill
e Cyntia O´Dwyer, com os quais íamos passear na Praça da Liberdade
e ao Cine Estrela, onde consumíamos dezenas de balinhas. Com
uma moeda de um cruzeiro comprávamos um monte de balinhas
sortidas que logo eram divididas. Eu era obrigado a levar
minha irmã ao cinema e isto me irritava, pois eu queria
fazer bagunça e não poderia, devido à
presença dela. Em
uma destas noites assistimos a um filme de terror em que um
morto-vivo tinha a mão gelada.
Depois
que todos dormiram eu me levantei, coloquei a mão dentro do
congelador por alguns segundos e corri para tocar nas mãos
de minha irmã, que também assistira ao filme. Ela deu um grito
que assustou e acordou a todos. O que atrapalhou meu plano
foi minha má fama, logo meu pai entrou no meu quarto, onde
eu fingia estar dormindo, e pegou minhas mãos. Apanhei o suficiente
para nunca mais aprontar dentro de casa.