10.
A MUDANÇA PARA GOIÂNIA
(fatos
ocorridos em 1954)
Depois
de nove anos em Ipameri, onde construiu uma bela sede do banco,
meu pai foi transferido para Goiânia, e nossas vidas mudaram
radicalmente. De uma pequena cidade do interior fomos morar
na nova e bela capital do estado de Goiás. Ao sairmos da estrada,
de terra, e adentrarmos na cidade eu levei dois sustos. Primeiro
porque as ruas eram cobertas por macios tapetes pretos (asfalto),
e depois porque meu pai parou o carro só porque uma lâmpada
havia acendido (semáforo).
Morávamos
em uma casa confortável, com um imenso jardim na frente e
um pequeno quintal nos fundos, onde residia Rex, nosso policial
alemão cinza. Logo fizemos bons amigos: Marinho, Marlúcio, William
e seus irmãos, Fernando e muitos outros. Naquela época a Capital
se resumia apenas ao que é hoje o seu Setor Central, sendo
ainda uma cidade tranqüila e sem violência.
Brincávamos
no nosso jardim, o maior das redondezas, e pela Rua Dez afora
(atual Avenida Universitária). Nossas principais brincadeiras
eram brincar de cowboy, rolar pneu na rua e correr do Rex.
Outra coisa que adorava fazer era pegar a bicicleta (Gulliver
azul) e percorrer os gigantescos dois quilômetros que separavam
nossa casa do aeroporto. Lá eu me sentava na relva à margem
da pista, retirava um lanche da lancheira e ficava horas esperando
um avião pousar.
Era
um espetáculo grandioso. O moderno avião bimotor Douglas DC-3
vinha se aproximando suavemente da pista, de repente ele a
tocava e uma tonelada de cascalho voava com grande estrondo.
O avião rodava pela pista levantando uma enorme cauda de poeira,
que podia ser vista a quilômetros de distância. Era fantástico,
os pousos de hoje em dia já não tem graça!
Foi
quando meu pai resolveu que já era hora de eu receber algumas
lições de disciplina e me colocou no Colégio Assunção, colégio
de freiras em regime de semi-internato. As freiras tentavam
passar uma aparência durona, mas eram pessoas maravilhosas
às quais muito devo. Apenas o regimento interno era um pouco
religioso demais para meu gosto. Chegávamos às sete da manhã
e saíamos às cinco da tarde, neste breve espaço de tempo tínhamos
que participar de uma missa e algumas horas de rezas e cantorias
na capela.
O
pior foi quando descobriram que eu tinha sido coroinha, me
pegaram para auxiliar em todas as missas. No colégio fiz bons
amigos, como o Lourival e o Paulo, mas um dia me cansei daquela
monotonia e, quando o Lourival me contou que seu pai tinha
uma chácara nas proximidades, combinamos uma fuga. À tarde
fomos jogar futebol, como sempre, e o campo ficava nos limites
da área do grande colégio. O tempo todo éramos vigiados por
uma madre, mas de repente eu chutei uma bola para fora, o
Lourival gritou para a madre que ia buscar a bola e saltou
a cerca, sumindo no mato. De lá jogou a bola e não voltou.
Nós corremos e gritamos bastante para chamar a atenção da
pobre madre. Daí a alguns minutos eu repeti a cena, gritei
para a madre que iria buscar a bola e não voltei. Encontrei
Lourival no ponto marcado e iniciamos a marcha, primeiro pelo
mato para despistar possíveis perseguidores, e depois pela
estrada, até alcançarmos uma torre de alta tensão, onde paramos
para descansar.
Depois
de mais alguns minutos de marcha adentramos na chácara do
Lourival, na verdade esta "chácara" era a sede de uma fazenda
e era linda. Logo depois começamos nossas atividades, fomos
tomar banho de cachoeira, chupar manga, andar a cavalo, passear
no pomar. Quando percebemos, anoitecia. Na cidade, as freiras
arrancavam os cabelos e nossos pais choravam desesperados,
quem podia imaginar? Lá para as oito horas da noite surgiu
o pai do Lourival, olhou para nós e sorriu dizendo para voltarmos
antes que a polícia aparecesse por ali. Não imaginávamos que
era tão sério. Subimos em sua camionete e voltamos para Goiânia.
Meus pais estavam tão nervosos que nem quiseram me bater,
simplesmente me mandaram dormir. Foi muito legal.