11. A VIDA EM GOIÂNIA
(fatos ocorridos entre 1954 e 1958)

          Um dia fui a uma fazenda e trouxe uns coquinhos para brincar, fui chegando e fui dando alguns para o Rex, pois nós sempre brincávamos juntos. À tarde minha mãe me avisou que era hora de tomar banho para jantar e eu comecei a recolher os coquinhos. Quando fui pegar o último, que estava na boca do Rex, que devia estar com fome, este avançou em mim e com seus caninos quase perfurou meu braço esquerdo.

          Meu pai ficou atordoado e ameaçou matá-lo, mas eu o detive. O Rex era um amigão. Mas num triste dia ele morreu, deixando-me em profunda tristeza. Cavei um pequeno túmulo no quintal, enterrei-o e ali coloquei uma placa de madeira com os seguintes dizeres, gravados em carvão: AQUI JAZ REX MUNDIM. Para mim ele era um irmão e eu sempre desejara ter um irmão. Já tive muitos cachorros mas nunca me esqueci daquele policial alemão cinza, alegre como uma criança.

          Naqueles dias eu era chamado de caolho, porque tinha deficiência visual em apenas um olho (esquerdo) e usava uns óculos com a lente direita tampada (que ódio!). Minha irmã também sofria porque tinha os pés ligeiramente chatos e era obrigada a usar uma bota ortopédica. Ninguém quis mais brigar conosco depois que a Marizete começou a usar aquelas botas com estrutura de ferro. Cada chute com aquelas botas eqüivalia a pelo menos uma semana de dor nas canelas.

          Mamãe fazia coisas engraçadas, ela tirou carteira de motorista e nós saíamos para passear na cidade calma e espaçosa com o belíssimo Pontiac vinho do papai, um carro muito confortável com câmbio automático e direção hidráulica. Era muito gostoso. Certo dia mamãe estacionou o carro para entrarmos em uma loja de louças e presentes na tranquila Avenida Anhanguera. Ao sairmos vimos que haviam estacionado um carro em frente ao nosso, quase encostado. Mamãe ficou atônita, ela tinha pavor de dar marcha à ré! Chamou um senhor que passava e pediu que afastasse o carro para ela sair. O senhor ficou espantado e perguntou: A senhora não sabe dar marcha à ré? Não senhor, respondeu mamãe, só sei andar para a frente. Quase morremos de rir.

          Outra da mamãe aconteceu quando ela saiu a pé com a Marizete e encontrou uma amiga de cujo nome ela havia se esquecido. As amigas começaram a conversar e a Marizete, que naqueles dias não se afastava de uma sombrinha que havia ganho do papai, perguntou: Mãe, qual o nome de sua amiga? Mamãe, que não se lembrava do nome da amiga, disse: Pergunte a ela, minha filha! E a Marizete insistiu: Mãe, qual o nome de sua amiga? Que constrangimento, a amiga ficou com dó da mamãe e acabou falando seu nome prá Marizete.

          Nossa casa era assaltada com tanta freqüência (cinco assaltos em cinco anos) que todos morriam de medo dos ladrões. Um dia levantei de madrugada para ir ao banheiro e ao olhar para a janela vi algo se mexendo e saí correndo e gritando. Meu pai se levantou já com o revolver 38 na mão, foi até o banheiro e descobriu que o que se mexia na janela era um jovem pé de mamão! Em outra oportunidade fomos jantar na tradicional Churrascaria Vera Cruz e, ao retornarmos deparamos com a porta dos fundos arrombada. Meu pai ordenou que fossessemos para o carro, enquanto minha mãe corria até um vizinho para pedir ajuda. Papai pegou o revólver (naqueles dias gerente de banco tinha que andar armado) e saiu em perseguição ao bandido.


          Escutamos os tiros disparados por papai e ficamos gelados de medo. Papai afirmou que havia atingido o bandido e no dia seguinte fomos verificar. Vimos apenas um jornal todo furado de balas, graças a Deus papai não feriu ninguém. A polícia era uma diversão à parte. Chegavam horas depois do ocorrido, tomavam pé da situação e depois concluíam: Este é um trabalho do Aranha, com certeza! Papai ficava bravo: se sabem que é esse tal de Aranha, porque não o prendem? E os policiais: Já o prendemos mais de dez vezes mais o safado foge do xadrez! Pobre polícia daqueles tempos...



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