27.
O EXPRESSO DO ORIENTE
(fatos ocorridos entre 1965
e 1966)
Depois
de passearmos por ruas e galerias sem encontrarmos sequer
um papel de balinha no chão, resolvemos voltar à Iugoslávia
para acalmar meus tios que, apavorados com o nosso sumiço,
não paravam de telefonar. Passamos a mão nos preciosos quinhentos
dólares que a Dorinha havia guardado para nós e tomamos um
trem que faz o mesmo percurso do famoso Expresso do Oriente,
que parte de Paris e, depois de atravessar toda a Europa,
chega a Istambul, na Turquia.
O Expresso
é um trem diferente, com vagões mais antigos que o
comum, tinha uma decoração tipo belle epóque, o que lhe conferia
um ar tradicional, de estórias de Sherlock Holmes. Mas nosso
trem era comum, ficamos em uma cabine sozinhos, não por causa
dos truques do Marco, mas por falta de passageiros. Quando
pensamos que o trem iria passar por algum túnel, como o outro,
ele subiu o suficiente para vermos as montanhas dos Alpes
suíços.
A
viagem corria às mil maravilhas, chegamos ao ponto de comprar
dois frangos assados e um litro de vinho numa daquelas estaçõezinhas
para comer na cabine, que tinha uma mesa de armar. A paisagem
era belíssima. Depois daquela maravilhosa refeição nós dormimos
por algumas horas e, quando acordamos estava entardecendo
sobre uma cidadezinha alemã. Durante a noite fiquei horas
olhando as dezenas de vilas e cidades por que passávamos,
cidades que nunca conheceríamos, pessoas passando sem sequer
olhar o trem. Quando o sono chegou já era tarde.
Dormimos
bem, como sempre. Já estávamos acostumados a dormir naqueles
maravilhosos trens europeus. O dia estava lindo e eu olhava
pela janela como se estivesse vendo televisão, a paisagem
estava sempre mudando, de país para país. De repente o trem
começou a diminuir sua velocidade, pensamos que se aproximava
de uma estação. Mas o trem ia parando bem devagar e nenhuma
estação aparecia. De repente fiquei branco!
O
trem estava entrando em uma espécie de campo de concentração,
altas cercas de arame farpado guardadas por altas guaritas
com soldados e holofotes. No chão haviam muitos soldados ostentando
pequenas metralhadoras e, até, cachorros. Meu Deus, onde estamos?
Perguntamos a um senhor que trabalhava no trem e ele nos disse
que estávamos entrando na Iugoslávia.
E
eu que tinha achado ruim quando entramos de avião e eles nos
fizeram esperar horas em um saguão congelado e fedido. Quando
o Expresso parou dezenas de soldados entraram e, de longe,
podíamos ouvir o reboliço. Nossa mala era puro contrabando,
levávamos uísque escocês, relógio suíço, camisas italianas,
calças francesas, mas meu primo, por ser filho de diplomata,
portava o passaporte diplomático. Ficamos tranqüilos.
Os
soldados entraram em nossa cabine e foram direto pegar a mala.
Quando tentamos explicar a um deles que não podia abrir aquela
mala ele ficou branco, apontou sua metralhadora para nós e
mandou outro soldado abrir a mala. O outro soldado abriu a
mala e ali estavam os produtos que figuravam em primeiro lugar
na lista de proibições para entrar no país. Os soldados começaram
a nos interrogar em servo-croata, gritando. Pensei comigo
mesmo que desta não escaparíamos. Tentamos explicar falando
em inglês, francês e espanhol, mas eles não entendiam nada
e começaram a ficar mais nervosos, certamente pensando: Aqui
tem! Falei baixinho em português para o Marco: Começa a rezar!